Pornografia de vingança (Revenge Porn)
A pornografia de vingança, tecnicamente denominada "Exposição Não Consentida de Intimidade", é a divulgação, compartilhamento ou publicação de fotos, vídeos ou áudios de conteúdo sexual explícito de uma pessoa sem o seu consentimento, geralmente realizada por ex-parceiros com o intuito de humilhar, punir ou exercer controle social.
Definição
Embora o termo "Revenge Porn" seja o mais popular, juristas e ativistas críticos preferem a terminologia Disseminação Não Consentida de Imagens Íntimas (DNII). Isso ocorre porque o termo original é impreciso: muitas vezes o ato não é motivado por "vingança" (pode ser por ganho financeiro, exibicionismo ou chantagem) e não se trata de "pornografia", que pressupõe uma produção profissional e consensual para fins comerciais. Trata-se, essencialmente, de uma violação grave da privacidade e da dignidade sexual. No Brasil, essa prática é considerada crime (Art. 218-C do Código Penal, inserido pela Lei 13.718/2018). Sob um olhar crítico, a pornografia de vingança é uma extensão da violência doméstica e do patriarcado para o ambiente digital, utilizando a tecnologia para perpetuar a dominação sobre o corpo e a reputação feminina. Ela se baseia na premissa misógina de que a sexualidade da mulher é algo que pode ser "usado" contra ela para destruí-la socialmente. Este fenômeno é uma forma grave de violência de gênero, pois afeta desproporcionalmente mulheres e meninas, explorando a vulnerabilidade e a confiança depositada em um parceiro. A intenção primária não é o lucro financeiro, mas sim a humilhação pública, a destruição da reputação e o sofrimento psicológico da vítima.
Como funciona
A pornografia de vingança funciona através da quebra de confiança e da exploração da vulnerabilidade em momentos de intimidade. Geralmente, as imagens são obtidas de forma consensual durante o relacionamento ou através de práticas de sexting (troca de mensagens eróticas). No entanto, o consentimento para a produção ou recebimento de uma imagem não implica, sob hipótese alguma, o consentimento para a sua distribuição. O agressor utiliza o ambiente viral da internet para garantir que o dano seja permanente e incontrolável, espalhando o conteúdo em grupos de mensagens (como WhatsApp e Telegram) ou fóruns de pornografia, onde a imagem é consumida por terceiros que se tornam cúmplices da violência. O mecanismo psicológico por trás do funcionamento desse crime é o estigma sexual. O agressor sabe que vivemos em uma sociedade que ainda julga severamente as mulheres que expressam sua sexualidade. Ao vazar o conteúdo, ele aciona um tribunal moral público que, em vez de punir o invasor da privacidade, tende a ridicularizar e condenar a vítima. Esse funcionamento é potencializado pela "perenidade digital": uma vez que o conteúdo entra na rede, sua remoção total é tecnicamente quase impossível, o que mantém a vítima em um estado de tortura psicológica contínua, temendo que a imagem ressurja a qualquer momento em uma busca de emprego ou novo relacionamento.
Exemplos
- Vazamento após término: um ex-namorado que, inconformado com o fim da relação, envia fotos íntimas da ex-parceira para o grupo da família dela ou para os colegas de trabalho.
- Sextorsão: ameaçar divulgar as imagens caso a vítima não aceite reatar o relacionamento, não envie novas fotos ou não realize pagamentos em dinheiro.
- Deepfakes de nudez: o uso de Inteligência Artificial para sobrepor o rosto de uma mulher em corpos de atrizes pornô, criando uma "nudez falsa" que causa o mesmo dano moral e social que uma imagem real.
- Criação de perfis falsos: criar contas em redes sociais ou sites de acompanhantes usando as fotos vazadas e os dados reais de contato da vítima, incitando o assédio de desconhecidos.
Quem é afetado
As principais vítimas são mulheres (cis e trans) e adolescentes. Embora homens também possam ter fotos vazadas, o impacto social é drasticamente diferente: enquanto o homem muitas vezes tem sua masculinidade "reafirmada" ou o fato é tratado como uma piada passageira, a mulher sofre o "assassinato de reputação". Em muitos casos, a violência atinge também mulheres em cargos de visibilidade política ou corporativa, sendo usada como ferramenta para silenciá-las ou removê-las de espaços de poder.
Por que é invisível
A invisibilidade não está no ato em si, que é público, mas na sua caracterização como crime. Muitas vezes, a sociedade trata o caso sob a ótica do "Victim Blaming" (Culpabilização da Vítima), com perguntas como "por que ela deixou filmar?" ou "por que ela enviou a foto?". Esse discurso desloca a culpa do agressor (que cometeu um crime de invasão e difamação) para a vítima (que exercia sua liberdade sexual). Além disso, a vergonha profunda impede que muitas vítimas denunciem, preferindo o silêncio para evitar que o assunto ganhe ainda mais proporção, o que alimenta a impunidade dos agressores.
Efeitos
Os efeitos são devastadores e incluem isolamento social, depressão grave, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e perda de emprego ou oportunidades educacionais. Em casos extremos, a pornografia de vingança leva ao suicídio, como ocorreu em diversos casos emblemáticos no Brasil e no mundo. A vítima sente que perdeu o controle sobre sua própria narrativa e seu corpo, vivendo em um estado de "exposição perpétua" que compromete sua saúde mental e sua dignidade humana.
Autores brasileiros
- Rose Leonel
- Mariana Valente
- Adriana Ramos de Mello
- Thiago Tavares
- Juliana Abrusio
- Clara Iglesias Keller
Autores estrangeiros
- Danielle Citron
- Mary Anne Franks
- Catherine MacKinnon
