Anticiganismo
O Anticiganismo (em alemão: Antiziganismus) é uma forma específica de racismo, ideologia de superioridade e discriminação institucional direcionada contra os povos ciganos (que incluem diversas etnias como Roma, Sinti, Calon, Manouche, entre outras). Não é apenas um preconceito individual, mas um sistema histórico de desumanização que marginaliza esses grupos. Inclui exclusão sistemática e criminalização de suas identidades e modos de vida.
Definição
Anticiganismo refere-se a muito mais do que antipatia ou preconceito individual; é um racismo estrutural historicamente construído. Segundo a definição de trabalho da Aliança Contra o Anticiganismo (Alliance against Antigypsyism), trata-se de um "sistema historicamente construído de racismo persistente contra grupos sociais identificados sob o estigma de 'ciganos'". Este fenômeno opera através da homogeneização de grupos étnicos distintos (como Roma, Sinti e Calon) em uma única massa imaginária de "indesejáveis". O pesquisador Valeriu Nicolae argumenta que o anticiganismo é uma forma de desumanização necessária para que a sociedade majoritária justifique a exclusão moral desses grupos, permitindo que violações de direitos humanos ocorram sem culpa social. É uma ideologia que inverte a relação de causalidade: culpa-se a cultura cigana pela exclusão que a própria sociedade impõe a eles.
Como funciona
O anticiganismo funciona através de mecanismos de "securitização" e essencialismo. O sociólogo Huub van Baar descreve como governos e instituições tratam a existência cigana não como uma questão social ou de direitos humanos, mas como um problema de segurança pública e ordem urbana. Isso ocorre quando o Estado cria leis específicas para controlar o movimento desses corpos, como proibições de acampamento ou vigilância excessiva. A estigmatização opera pela projeção: a sociedade projeta no "cigano" tudo o que ela rejeita em si mesma (a falta de regras, a sujeira, a malandragem), construindo um "outro" ameaçador. Esse processo retira a individualidade da pessoa; um crime cometido por um indivíduo cigano é imediatamente atribuído a toda a etnia pela mídia e pelo senso comum, algo que raramente ocorre com grupos brancos hegemônicos.
Exemplos
- Leis municipais ou estaduais que proíbem o acampamento de grupos nômades, forçando-os à ilegalidade ou ao deslocamento constante.
- A recusa sistemática de atendimento em comércios, escolas ou hospitais baseada apenas na vestimenta ou aparência étnica da família.
- Ação policial desproporcional, onde comunidades inteiras são tratadas como suspeitas (presunção de culpa) em investigações de crimes locais.
- O uso de termos pejorativos ou a representação folclórica na cultura pop que reduz a pessoa à figura do "ladrão" ou da "feiticeira", ignorando sua humanidade.
Quem é afetado
O anticiganismo afeta diretamente todas as etnias compreendidas sob o guarda-chuva "cigano", incluindo os povos Roma (mais comuns na Europa Oriental), Sinti (Europa Central), Calon (predominantes no Brasil e Península Ibérica) e grupos como os Travellers (nômades irlandeses). Afeta também indivíduos que, mesmo sedentarizados e integrados economicamente, são "lidos" socialmente como ciganos e sofrem as barreiras do estigma, impactando seu acesso a emprego, moradia digna e justiça.
Por que é invisível
O anticiganismo é frequentemente chamado de "o último racismo aceitável". É invisível porque está normalizado na linguagem, na literatura clássica e nas piadas cotidianas. A sociedade muitas vezes não reconhece o anticiganismo como racismo, mas sim como uma reação "justificável" ao comportamento dos próprios ciganos, perpetuando a falácia de que eles "não querem se integrar". Além disso, a falta de representatividade política desses povos e a ausência da história cigana (como a escravidão cigana e o Holocausto/Porajmos) nos currículos escolares contribuem para a cegueira social sobre essa opressão.
Efeitos
Os efeitos do anticiganismo são devastadores e multigeracionais. Eles incluem a guetização espacial (empurrando comunidades para periferias insalubres sem saneamento), baixíssima expectativa de vida em comparação à média nacional e evasão escolar forçada pelo bullying institucional. Psicologicamente, gera a "vergonha internalizada", onde indivíduos escondem sua origem étnica para sobreviver no mercado de trabalho. No extremo, resulta em violência física, linchamentos e limpeza étnica silenciosa através da negação de condições básicas de sobrevivência.
Autores brasileiros
- Mirian Stanescon
- Frans Moonen
- Felipe Berocan Veiga
Autores estrangeiros
- Ian Hancock
- Huub van Baar
- Valeriu Nicolae
