Apropriação cultural
O ato de adotar elementos específicos de uma cultura (símbolos, vestimentas, artefatos, estética ou práticas) por membros de uma cultura dominante, ocorrendo geralmente em um contexto de desigualdade histórica e assimetria de poder. Em geral, tal ato ocorro sem compreensão profunda e visando lucro comercial.
Definição
Diferente do intercâmbio cultural (onde há troca mútua e respeito entre culturas em pé de igualdade), a apropriação cultural envolve uma relação de exploração ou dominação. Segundo o antropólogo Rodney William, ela acontece quando um grupo hegemônico se apodera da cultura de um grupo subalternizado, esvaziando-a de seu significado original (religioso, político ou social) e transformando-a em mercadoria ou estética. A crítica central não é sobre o "uso" individual em si, mas sobre o sistema que permite que o grupo dominante lucre (financeira ou socialmente) com traços culturais pelos quais o grupo originário é historicamente discriminado, perseguido ou marginalizado.
Como funciona
Funciona através de três mecanismos principais: a mercantilização, a exotização e o esvaziamento de sentido. O elemento cultural é retirado do seu contexto (onde é sagrado ou identitário) e inserido na lógica de mercado da cultura dominante como algo "cool", "inovador" ou "fashion". Ocorre um "duplo padrão" (double standard): quando um negro usa dreadlocks ou tranças, pode ser visto como "sujo", "não profissional" ou "militante agressivo". Quando uma pessoa branca usa o mesmo penteado, é lida como "estilosa", "vanguardista" ou "descolada". A apropriação permite usufruir da estética sem carregar o ônus do racismo estrutural associado àquela identidade.
Exemplos
- Cocares indígenas em festivais: o uso de cocares (que possuem significado espiritual e hierárquico militar para povos originários) como acessório de fantasia em festivais de música ou Carnaval, desrespeitando a sacralidade do objeto.
- A "descoberta" de ingredientes: quando chefs renomados ou a indústria farmacêutica patenteiam ou "gourmetizam" ingredientes ancestrais indígenas ou africanos, lucrando milhões sem repassar benefícios às comunidades que preservaram aquele conhecimento por séculos.
- Tranças e turbantes: a indústria da moda utilizando turbantes e tranças nagô em desfiles de marcas de luxo com modelos brancas, enquanto mulheres negras sofrem preconceito no ambiente corporativo ou escolar pelo mesmo uso.
- Tatuagens Maoris ou religiosas: o uso de grafismos sagrados (que indicam linhagem ou status em suas culturas originais) apenas por apelo estético, sem compreensão do que representam.
Quem é afetado
Afeta grupos historicamente colonizados e marginalizados, principalmente povos indígenas, negros, populações asiáticas e minorias religiosas. Ocorre quando a cultura hegemônica (branca/ocidental) decide o que é "validado" para consumo, ignorando os criadores originais.
Por que é invisível
É frequentemente confundida com "homenagem", "inspiração" ou "globalização". A narrativa do "mundo sem fronteiras" mascara as hierarquias de poder. Muitos argumentam que "cultura é para todos", ignorando que o acesso aos lucros e à respeitabilidade gerados por essa cultura não é distribuído igualmente. Além disso, acusações de apropriação são frequentemente deslegitimadas como "vitimismo" ou "patrulhamento", silenciando o debate sobre propriedade intelectual e respeito identitário.
Efeitos
Os efeitos incluem o apagamento da origem (o símbolo passa a ser associado à marca que o copiou, não ao povo que o criou) e prejuízos econômicos diretos para artesãos e comunidades locais. No nível subjetivo, gera a sensação de violação e desrespeito, reforçando a ideia de que os corpos marginalizados não importam, mas seus "adereços" são valiosos. Perpetua estereótipos (fetichização) e despolitiza símbolos de resistência.
Autores brasileiros
- Rodney William
- Jarid Arraes
- Djamila Ribeiro
- Katy Navarro
Autores estrangeiros
- Susan Scafidi
- George Lipsitz
- Richard A. Rogers
- Bell Hooks
