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Saberes subalternos

Os saberes subalternos são formas de conhecimento, tecnologias, filosofias e visões de mundo produzidas por grupos marginalizados (colonizados, escravizados, periféricos) que foram historicamente desqualificados, silenciados ou invalidados pelo paradigma racionalista e eurocêntrico da ciência moderna e pela academia hegemônica.

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Definição

O conceito de saberes subalternos surge da necessidade de reconhecer que a "Ciência" (com C maiúsculo) não é a única forma de conhecimento válida, mas sim um saber que se tornou hegemônico através do poder colonial. Esses saberes são "subalternizados" não por serem inferiores em lógica ou eficácia, mas porque pertencem a corpos e territórios que o sistema dominante classifica como inferiores. No Brasil, o estudo dos saberes subalternos é fundamental para combater o Epistemicídio — o extermínio sistemático da produção intelectual de povos negros e indígenas. Trata-se de saberes que muitas vezes não estão em livros acadêmicos, mas em corpos, ritos, memórias orais, técnicas agrícolas ancestrais e ervas medicinais, constituindo uma "outra" racionalidade que desafia a lógica do lucro e do progresso linear.

Como funciona

A subalternização do saber funciona por meio de uma hierarquia de credibilidade onde o conhecimento científico ocidental é apresentado como "universal" e "neutro", enquanto o conhecimento tradicional é rotulado como "crença", "superstição", "folclore" ou "mito". Esse mecanismo retira a autoridade intelectual do sujeito subalterno: o indígena sabe sobre a floresta, mas precisa de um antropólogo branco para "validar" esse saber; a benzedeira conhece a cura, mas sua prática é vista como um atraso diante da medicina alopática. O sistema educacional e acadêmico atua como um filtro que ignora essas epistemologias, garantindo que apenas o pensamento moldado pelo Norte Global seja considerado "verdade". Além disso, o funcionamento desses saberes ocorre pela resistência e pela oralidade. Como foram expulsos dos arquivos oficiais e das universidades, esses conhecimentos sobrevivem na prática cotidiana e na transmissão de mestre para discípulo, de avó para neta. Há um caráter coletivo e comunitário nesses saberes que colide com a propriedade intelectual privada do capitalismo. Quando o mercado descobre um saber subalterno (como uma planta medicinal ou uma técnica têxtil), ele frequentemente tenta apropriar-se dele (biopirataria), retirando o saber de seu contexto espiritual e social para transformá-lo em mercadoria, completando o ciclo de subalternização pela exploração econômica.

Exemplos

  • Medicina das Benzedeiras e Pajés: o uso de ervas e rituais que tratam a saúde de forma integral (corpo, mente e espírito), muitas vezes mais acessível e eficaz em comunidades isoladas do que o sistema público de saúde.
  • Tecnologias de construção ancestral: o uso de taipa, adobe ou técnicas de manejo de solo (como a Terra Preta de Índio na Amazônia) que são ecologicamente superiores às construções de concreto, mas ignoradas pela engenharia convencional.
  • Justiça Comunitária: formas de resolução de conflitos em quilombos ou aldeias baseadas na mediação e na restauração, em vez da punição e do encarceramento do sistema jurídico oficial.
  • Cosmologias não-antropocêntricas: visões de mundo (como o "Bem Viver") que não separam o homem da natureza, tratando rios e montanhas como sujeitos de direitos, algo que a ciência ocidental só começou a discutir recentemente devido à crise climática.

Quem é afetado

As populações afetadas são os Povos Originários, Comunidades Quilombolas, Povos de Terreiro, Camponeses, Ribeirinhos e a população periférica. Estes grupos são duplamente afetados: primeiro, pela negação de sua inteligência histórica e, segundo, pela imposição de um saber estrangeiro que muitas vezes não resolve seus problemas locais ou destrói seus modos de vida.

Por que é invisível

É invisível devido ao Etnocentrismo e à estrutura das universidades, que ainda são majoritariamente eurocêntricas em seus currículos. O "lugar de fala" desses saberes é negado; eles são tratados como objetos de estudo, nunca como teorias fundamentais. Além disso, a barreira da linguagem acadêmica e o fetiche pelo diploma criam um abismo que impede que a sabedoria de um ancião sem alfabetização formal seja reconhecida como "Ciência", mesmo que ele detenha um conhecimento geológico ou botânico que nenhum doutor possui.

Efeitos

O principal efeito é a perda da diversidade cognitiva da humanidade. Quando um saber subalterno desaparece, perdem-se formas únicas de resolver problemas humanos e ambientais. Para o indivíduo subalternizado, o efeito é a alienação: ele é ensinado a desprezar sua própria cultura e a buscar um padrão de conhecimento que nunca o incluirá plenamente. Gera também a dependência tecnológica e intelectual do Sul Global em relação ao Norte, perpetuando o colonialismo mental e a pobreza material.

Autores brasileiros

  • Sueli Carneiro
  • Nilma Lino Gomes
  • Ailton Krenak

Autores estrangeiros

  • Boaventura de Sousa Santos
  • Aníbal Quijano
  • Gayatri Chakravorty Spivak

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