Violência psiquiátrica
A violência psiquiátrica refere-se a qualquer ação, omissão ou prática institucional, cometida por profissionais ou sistemas de saúde mental, que viola os direitos humanos, a autonomia e a integridade física ou psicológica de pessoas em sofrimento mental ou neurodivergentes. Isso inclui internações compulsórias e tratamentos degradantes.
Definição
Historicamente legitimada pelo discurso médico, a violência psiquiátrica não se resume a agressões físicas. Ela é definida pelo abuso de poder de quem detém o saber médico sobre o sujeito diagnosticado. Envolve a imposição de tratamentos sem consentimento, a patologização de comportamentos sociais desviantes e a segregação. No Brasil, este conceito é central para o Movimento da Luta Antimanicomial. A violência psiquiátrica parte da premissa de que o "louco" é um ser perigoso ou incapaz, justificando a tutela forçada e a retirada de sua cidadania. Ela transforma o cuidado em controle e a terapêutica em punição.
Como funciona
Funciona através de mecanismos de institucionalização e medicalização excessiva. Contenção: o uso desproporcional de força física, amarras em leitos (contenção mecânica) ou isolamento em celas fortes ("solitárias") como forma de punição por "mau comportamento", e não como recurso extremo de proteção. Contenção química: a superdosagem de psicofármacos não para tratar sintomas, mas para manter o paciente dopado, passivo e "dócil" para facilitar o trabalho da equipe, anulando sua personalidade. Invalidação (gaslighting institucional): qualquer queixa do paciente sobre maus-tratos ou efeitos colaterais é interpretada como "sintoma da doença", "delírio" ou "falta de insight", deslegitimando sua fala.
Exemplos
- O "Holocausto Brasileiro" (Barbacena): o caso mais extremo no Brasil, onde o Hospital Colônia de Barbacena funcionou como campo de extermínio, internando não apenas doentes mentais, mas mães solteiras, gays, negros e opositores políticos, resultando em 60 mil mortes.
- Internações compulsórias em comunidades terapêuticas: a retenção de usuários de drogas em instituições privadas (muitas vezes de cunho religioso e financiadas pelo Estado) onde ocorrem trabalhos forçados, tortura psicológica e imposição de crenças, sob o pretexto de tratamento.
- Eletroconvulsoterapia (ECT) punitiva: o uso de eletrochoques sem anestesia ou consentimento, usado historicamente (e ainda relatado em locais clandestinos) como forma de tortura ou correção de comportamento, e não como procedimento terapêutico regulamentado.
- Superdiagnóstico infantil: rotular comportamentos naturais da infância ou reações a ambientes escolares ruins como "transtornos" para medicar a criança precocemente. Esse fato possui uma interseccionalidade com meninos negros que são comumente tratados como violentos, raivosos.
Quem é afetado
Afeta pessoas com transtornos mentais graves (esquizofrenia, bipolaridade), neurodivergentes (autistas) e usuários de álcool e outras drogas. Contudo, a psiquiatria tem um histórico de ser usada como ferramenta de higiene social. Portanto, populações marginalizadas — população em situação de rua, negros, mulheres (historicamente internadas por "histeria" ou comportamento sexual livre) e LGBTQIA+ (cuja orientação já foi considerada doença) — são desproporcionalmente vítimas dessa violência.
Por que é invisível
É invisível porque ocorre frequentemente "entre quatro paredes", em instituições fechadas (hospitais psiquiátricos, clínicas de reabilitação) onde a sociedade não entra. Além disso, opera sob a aura de respeitabilidade da medicina: "é para o bem dele", "o médico sabe o que faz". A sociedade, por medo da loucura (psicofobia), prefere não ver o que acontece nesses locais, desde que o "louco" esteja longe das ruas. O testemunho da vítima é desacreditado a priori devido ao seu diagnóstico.
Efeitos
Gera a cronificação da doença: em vez de melhorar, o paciente perde suas habilidades sociais e cognitivas devido ao isolamento e excesso de remédios (efeitos iatrogênicos). Causa traumas profundos, perda de vínculos familiares e estigma social. Em última instância, anula a identidade do sujeito, que passa a se ver apenas como "um doente" incapaz de viver em liberdade.
Autores brasileiros
- Paulo Amarante
- Fernanda Nicácio
- Nise da Silveira
Autores estrangeiros
- Thomas Szasz
- R.D. Laing
- Erving Goffman
- Frantz Fanon
