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Apagamento histórico

O apagamento histórico é a supressão deliberada, a distorção sistemática ou a negligência seletiva de fatos, pessoas, culturas e eventos na construção da narrativa oficial de uma sociedade. Mais do que um esquecimento acidental, é uma tecnologia de dominação que visa manter hierarquias de poder. Atua excluindo a contribuição, a presença e a memória de grupos oprimidos dos registros históricos oficiais, das narrativas nacionais e dos currículos escolares.

Definição

O apagamento histórico refere-se ao processo pelo qual grupos dominantes controlam a produção e a disseminação do conhecimento histórico para legitimar sua posição de supremacia. Esse fenômeno não ocorre apenas pela destruição física de arquivos, mas principalmente pela escolha do que merece ser lembrado (monumentalizado) e do que deve ser esquecido (silenciado). É intimamente ligado ao conceito de Epistemicídio (a morte do conhecimento e da cultura de um povo). Ao apagar a história de um grupo, nega-se a sua contribuição civilizatória e, em última instância, a sua própria humanidade. A história deixa de ser um registro do passado para se tornar uma ferramenta ideológica que naturaliza desigualdades presentes, sugerindo que os grupos marginalizados "sempre estiveram nessa posição" por falta de mérito ou capacidade.

Como funciona

O apagamento opera através de mecanismos institucionais e culturais. No sistema educacional, manifesta-se em currículos eurocêntricos que narram a história da África ou dos povos indígenas apenas a partir da perspectiva do colonizador (ex: "descobrimento" em vez de invasão; "escravidão" como condição natural e não como sistema imposto). Na mídia e na cultura, funciona através do "branqueamento" de figuras históricas (retratar personagens negros ou indígenas com traços europeus em pinturas e novelas) ou pela "invisibilização" de mulheres cientistas, artistas e líderes, cujas conquistas são frequentemente atribuídas a parceiros homens ou esquecidas. Também ocorre através da destruição física de documentos que poderiam comprovar crimes de Estado ou garantir direitos de reparação.

Exemplos

  • A queima de arquivos da escravidão no Brasil (1890): a ordem de Rui Barbosa para queimar documentos fiscais referentes à escravidão é interpretada por muitos historiadores não apenas como um gesto republicano, mas como um apagamento que dificultou o cálculo de indenizações e apagou genealogias inteiras de famílias negras.
  • O "Milagre Econômico" vs. Ditadura: a narrativa nostálgica de que a Ditadura Militar brasileira (1964-1985) foi apenas um período de ordem e progresso, apagando a censura, a tortura, o genocídio indígena e o aumento da desigualdade social ocorridos no período.
  • Efeito Matilda: o fenômeno na ciência onde as contribuições de mulheres pesquisadoras são ignoradas ou creditadas aos seus colegas homens (ex: Rosalind Franklin na descoberta da estrutura do DNA).
  • A revolução haitiana: o silenciamento global sobre o sucesso da Revolução do Haiti (a única revolta de escravizados bem-sucedida que fundou um país), tratada como um "não-evento" por potências coloniais para evitar que o exemplo se espalhasse.

Quem é afetado

Afeta desproporcionalmente populações negras, indígenas, mulheres, comunidade LGBTQIA+ e a classe trabalhadora. Qualquer grupo cuja existência desafie a narrativa do "homem branco, proprietário e heterossexual como o sujeito universal da história" é alvo potencial de apagamento.

Por que é invisível

É invisível porque a narrativa dominante é apresentada como "A História verdadeira" ou "Neutra". Desde cedo, somos ensinados a não questionar a ausência de certas vozes nos livros didáticos. O apagamento é naturalizado pela repetição; quando uma mentira histórica é contada repetidamente por autoridades, escolas e mídia, a ausência da verdade torna-se imperceptível para a maioria, que sequer sabe que algo está faltando.

Efeitos

Os efeitos são a alienação cultural e a fragilização da identidade. Para o grupo oprimido, gera falta de pertencimento e baixa autoestima coletiva (a sensação de "não ter história"). Para o grupo dominante, gera uma falsa sensação de superioridade e mérito exclusivo. Politicamente, o apagamento histórico obstrui a justiça de transição e impede políticas de reparação, pois "não se pode reparar o que não se recorda".

Autores brasileiros

  • Sueli Carneiro
  • Beatriz Nascimento
  • Abdias Nascimento
  • Ailton Krenak

Autores estrangeiros

  • Michel-Rolph Trouillot
  • Silvia Federici
  • Chimamanda Ngozi Adichie
  • Walter Benjamin

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